Rearme Automático em Cabines Primárias de Média Tensão

Uriel Horta e Gustavo Carvalho da PEXTRON®

Sumário

Este artigo analisa a aplicação e os benefícios da função de rearme automático em cabines primárias de média tensão, com foco na restauração do fornecimento de energia após desligamentos provocados por distúrbios temporários na rede de distribuição da concessionária, como subtensões, sobretensões e variações de frequência. A norma NR-10 impõe restrições importantes ao acesso e operação em subestações, o que torna ainda mais relevante o uso de soluções que evitem manobras manuais e aumentem a segurança operacional. São abordadas as diferenças entre desligamentos por corrente e por tensão, os tempos envolvidos no restabelecimento manual da energia elétrica e as condições técnicas para implementação do rearme automático por meio das funções ANSI 79V e 79F. A funcionalidade é destacada como um recurso eficiente, seguro e cada vez mais necessário para elevar a confiabilidade, reduzir custos operacionais e ampliar a disponibilidade dos sistemas elétricos em instalações críticas, como hospitais, indústrias e usinas fotovoltaicas.

Introdução

A cabine primária, sendo o ponto de entrega da energia elétrica fornecida pela concessionária de distribuição, é uma estrutura essencial em indústrias, edifícios comerciais, centros administrativos, shopping centers, hospitais, supermercados e diversas outras instalações de grande porte. Sua operação deve estar em conformidade com as diretrizes da NR 10, que estabelece normas rigorosas para a segurança em instalações elétricas. 

Dentre essas exigências, destacam-se:

  • Necessidade de presença mínima de duas pessoas autorizadas para a realização de manobras;
  • Uso obrigatório de equipamentos de proteção individual e coletivo durante manobras (roupas específicas, luvas, bastões isolantes, tapetes de borracha, entre outros);
  • Apenas profissionais habilitados podem realizar as manobras no interior da cabine.

A NR-10 salienta que a cabine primária não pode ser acessada indiscriminadamente por qualquer colaborador da empresa.

Entretanto, situações emergenciais podem ocorrer fora do horário comercial, quando o profissional habilitado pode não estar disponível. Além disso, minimizar a exposição de eletricistas, mesmo sendo habilitados, às operações de manobras vem a aumentar a segurança das operações. 

Sendo assim, a adoção de um esquema de rearme automático surge como uma solução eficaz, permitindo a recomposição da energia sem a necessidade de acesso físico à cabine primária, reduzindo riscos. Além disso, pelo fato de ser automático aumenta a disponibilidade do sistema elétrico.

A implementação do esquema de rearme automático só é viável em cabines primárias que possuem proteções de tensão implementadas (ANSI 27, ANSI 59, ANSI 81, ANSI 47). Caso a cabine tenha apenas proteção de sobrecorrente, o rearme automático perde sua efetividade. Isso ocorre porque nem todas as concessionárias exigem proteções de tensão nas cabines primárias e algumas chegam até a proibir sua implementação.

Portanto, antes de considerar o rearme automático como uma solução eficaz, é fundamental que haja uma exigência clara das concessionárias, ou pelo menos que haja permissão, quanto à implementação das funções de tensão.

A adoção das proteções de tensão garante maior segurança e continuidade operacional para ambas as partes envolvidas.

Tempos de Restabelecimento

O tempo necessário para restabelecer a energia elétrica em uma cabine primária de média tensão por meio de rearme manual pode variar de 5 a 45 minutos, dependendo da complexidade da falha, da experiência da equipe e da disponibilidade de equipamentos adequados. Os principais fatores que influenciam esse tempo são:

  • Diagnóstico da falha (5 a 15 minutos): É o tempo para identificar a causa da interrupção de energia;
  • Preparação de segurança (5 a 10 minutos): Envolve o uso de EPIs, isolamento da área e inspeção visual da cabine;
  • Ação de uma manobra manual (5 a 10 minutos): Inclui o acionamento do disjuntor e a verificação se as grandezas elétricas estão normais;
  • Monitoramento após o restabelecimento (5 a 10 minutos): Avaliação da estabilidade do sistema elétrico para evitar novas falhas.

Nas cidades de grande porte, o tempo total de restabelecimento pode variar entre 30 minutos a 2:30 horas, considerando fatores como:

  • Contatar o responsável (10 a 30 minutos);
  • Deslocamento até a cabine primária (15 a 90 minutos);
  • Execução da manobra e verificações (10 a 20 minutos).

Conforme mencionado na introdução deste artigo, o uso de sistemas automáticos de rearme reduz significativamente esses tempos, garantindo maior disponibilidade da energia elétrica e substancial aumento da segurança de eletricistas e operadores de subestações. 

“Rearme automático: mais eficiência, menos tempo de inatividade!”

Desligamentos por Corrente Versus Desligamentos por Tensão

Antes de tratarmos do rearme automático para restabelecimento da energia elétrica, iremos analisar os desligamentos elétricos, que podem ser classificados simplificadamente em duas categorias principais:

  • Desligamento por tensão;
  • Desligamento por corrente.

Cada tipo de desligamento exige procedimentos específicos para diagnóstico e restabelecimento.

3.1- Desligamento por Tensão: Ocorre devido a variações na rede da concessionária, como subtensões, sobretensões, subfrequências, reversão de fases ou falta de fases. A solução envolve a verificação da estabilidade da rede e se houve a correção dessas variações antes do restabelecimento da energia. Diagnósticos e inspeções estão relacionados a eventos externos com a atuação do relé e disjuntor da cabine, podendo haver riscos de danos em equipamentos devido às variações de tensão. 

O restabelecimento depende do retorno das grandezas às condições normais de operação ( tensão e frequência).

3.2- Desligamento por Corrente: Relaciona-se a curtos-circuitos ou sobrecargas, exigindo uma análise detalhada dos circuitos internos, para identificar e corrigir a falha. Diagnósticos da falha e inspeções se voltam para a verificação de disjuntores, transformadores e cabos para detecção de danos, podendo haver riscos de incêndio ou arco elétrico. O restabelecimento deve ser feito de forma gradual, garantindo que o problema foi resolvido antes de restabelecer o sistema.

A principal diferença entre os dois tipos de desligamentos está na origem do problema e nas ações necessárias para um restabelecimento seguro:

  • Em problemas de tensão, a atenção se volta para a rede externa. Já em problemas de corrente, o foco está na inspeção detalhada dos equipamentos internos da cabine primária. 
  • Os desligamentos por sobrecorrente atuam protegendo a rede da concessionária ao desconectar o consumidor em casos de falhas. Já os desligamentos por tensão desempenham o papel oposto, preservando o consumidor contra possíveis irregularidades na rede elétrica.

Em ambos os casos, seguir protocolos rigorosos é essencial para garantir um restabelecimento seguro e eficiente.

“Os desligamentos por sobrecorrente atuam protegendo a rede ao desconectar o consumidor em casos de falha, ao passo que os desligamentos por tensão preservam o consumidor contra possíveis irregularidades na rede elétrica da concessionária.”

É importante destacar que os desligamentos provocados por curtos-circuitos ou sobrecargas continuarão exigindo a realização de manobras manuais, conforme já descrito acima. Nessas situações, a atuação dos dispositivos de proteção exige a intervenção de operadores para garantir uma retomada segura e controlada do fornecimento de energia, evitando riscos adicionais à instalação e ao sistema elétrico.

Rearme Automático em Cabines Primárias de Média Tensão

O rearme automático em cabines primárias de média tensão é uma funcionalidade presente nos modernos relés de proteção, que permitem a restauração automática da energia após atuação devido a falhas temporárias ou anomalias na rede. Deve ser ativado após eventos externos, ou seja, desligamentos geralmente provocados por variações na tensão e/ou frequência. 

Em hipótese alguma deverá ocorrer um rearme automático após desligamentos provocados por corrente (curtos-circuitos, sobrecargas) e consiste na restauração automática do fornecimento de energia após a normalização da tensão primária. É realizado pelo fechamento do disjuntor da subestação através de um comando enviado pelo relé de proteção.

Esse processo é controlado pela função ANSI 79V (Rearme Automático por Tensão) ou ANSI 79F (Rearme Automático por Frequência) e busca garantir o retorno da operação sem necessidade de intervenção manual, sempre que as condições da rede permitirem.

4.1 Funcionamento do Rearme Automático em Cabines Primárias de Média Tensão

1- Atuação da Proteção: O relé de proteção da cabine monitora as grandezas elétricas e atua em ocorrências como subtensão (atuação da função ANSI 27), sobretensão (atuação da função ANSI 59), subfrequência (atuação da função ANSI 81), desequilíbrio ou inversão de fases (atuação da função ANSI 47) e falta de fases (atuação da função ANSI 48). Quando esses eventos ocorrem, o relé atua no respectivo disjuntor para desligar o circuito e interromper o fornecimento de energia para proteger equipamentos e garantir a segurança do sistema.

2- Acionamento da Função ANSI 79V ou 79F: As funções de rearme automático atuam após a normalização da rede, garantindo um retorno seguro da operação. Após a atuação da função ANSI 27/59/81/47/48, com o disjuntor ainda aberto, o relé fica esperando o retorno da tensão/frequência aos níveis normais de operação. Quando a situação se normaliza, o relé inicia uma temporização antes de tentar o rearme. Se ao final do tempo de espera a tensão, frequência e equilíbrio de fases estiverem dentro dos limites aceitáveis, o relé envia um comando para religar o disjuntor, restabelecendo o fornecimento de energia. 

Porém, caso haja algum problema no fechamento do disjuntor, o rearme é bloqueado para evitar danos ao sistema e equipamentos. A figura 1 abaixo exemplifica a sequência de operação da unidade 79V e sem evento de frequência.

Fig 1: Fluxograma de operação da unidade de rearme 79V

Cumpre ressaltar que caso a interrupção de fornecimento da energia seja muito prolongada, a função de rearme automático funcionará desde que o no-break esteja em operação ( normalmente 2 horas de autonomia).

3-Critérios de Rearme: O rearme automático pode ocorrer em múltiplas tentativas e uma típica sequência é ilustrada abaixo:

  • Desligamento do disjuntor pela função ANSI 27 – subtensão;
  • Primeira tentativa de rearme pela função ANSI 79V: Após a tensão retornar aos níveis normais de operação, o relé inicia uma temporização e após o tempo expirar, há uma tentativa de rearme;
  • Se após a tentativa de rearme bem sucedida houver nova subtensão e atuação da função ANSI 27 novamente, o processo se reinicia.

 

4-Restrições ao Rearme Automático: Para garantir a segurança operacional, algumas situações não devem permitir o rearme automático, como por exemplo:

  • Eventos de sobrecorrente e curto-circuito: O rearme não é permitido, pois a falha pode comprometer a segurança da instalação;
  • Consumidores com geração própria: Caso haja grupo gerador na instalação, o rearme automático não deverá ser ativado, para evitar riscos de paralelismo indevido;
  • Falha no Fechamento: Se na tentativa de rearme houver falha no fechamento do disjuntor, haverá bloqueio do esquema, que exige a intervenção manual. 

 

4.2 Importância do Rearme Automático

O rearme automático é essencial para minimizar interrupções causadas por falhas temporárias, como as variações transitórias de tensão ou frequência. Ele reduz o tempo de indisponibilidade do sistema e evita deslocamentos desnecessários de equipes de manutenção.

Contudo, é fundamental diferenciar o rearme automático (ANSI 79V ou ANSI 79F) do religamento automático tradicional (ANSI 79). O rearme automático atua em eventos de tensão, desequilíbrios e falta de fases, permitindo a retomada da operação quando as condições normalizam e não deve ser aplicado para eventos de sobrecorrente ou curto-circuito, pois esses exigem uma análise detalhada antes da reenergização.

As funções ANSI 79V e ANSI 79F desempenham um papel crucial na continuidade operacional de sistemas de média tensão, permitindo o restabelecimento rápido da energia quando as condições da rede são seguras e garantindo maior segurança operacional.

“Para quem busca eficiência, o rearme automático não é uma opção – é uma necessidade.”

4.3 Aplicações da Função de Rearme Automático

A função de rearme automático por tensão e frequência possui ampla aplicação em sistemas onde a continuidade do fornecimento de energia é crítica, como indústrias, hospitais, data centers, sistemas de abastecimento de água e esgoto, usinas fotovoltaicas, etc.

4.4 Benefícios do Rearme Automático

A principal vantagem da função de rearme automático por tensão e frequência é o aumento da confiabilidade do sistema elétrico. Em vez de depender de uma intervenção manual após um distúrbio, o relé de proteção pode restabelecer automaticamente o serviço, reduzindo o tempo de inatividade e evitando perdas financeiras associadas a interrupções prolongadas. Outra grande vantagem é a redução de exposição ao risco por parte dos operadores e eletricistas às operações de manobras manuais no local, fato que aumenta a segurança das operações. 

Conclusão

As funções ANSI 79V – Rearme Automático por Subtensão e ANSI 79F – Rearme Automático por Frequência,  desempenham um papel essencial na otimização da operação de subestações primárias de média tensão. A figura 2 ilustra um moderno relé de proteção digital para cabines primárias que incorpora essa funcionalidade, oferecendo uma solução robusta e confiável para restabelecimento automático da energia diante de variações ou desligamentos temporários na rede da concessionária.

Fig 2: Moderno relé de proteção multifunção aplicado em cabine primária de média tensão

Sem essa funcionalidade, instalações consumidoras e também as usinas fotovoltaicas podem enfrentar atrasos no restabelecimento, impactando o fornecimento de energia elétrica e gerando custos adicionais.

Os benefícios do “Rearme Automático” justificam a sua implementação nas cabines primárias de média tensão:

  • Redução do tempo de interrupção de energia;
  • Menores custos operacionais, eliminando deslocamentos desnecessários;
  • Maior segurança física a eletricistas e operadores ao evitar uma exposição ao risco durante manobras;
  • Maior confiabilidade, com um automatismo testado e aprovado;
  • Em usinas fotovoltaicas, há uma maior eficiência, evitando desperdícios e garantindo melhor aproveitamento da geração.

 

Essa solução contribui para tornar a energia elétrica mais eficiente, confiável e automatizada, garantindo maior desempenho e rentabilidade para consumidores e usinas. A funcionalidade de rearme automático é essencial para garantir o restabelecimento automático da subestação em casos de desligamentos causados por variações ou quedas temporárias na tensão ou frequência da rede da concessionária.